O Apreensão de Propriedades sem Sentença: Um Fenômeno em Portugal há Trinta Anos
A medida da apreensão de propriedades sem decisão judicial, recentemente divulgada pelo Governo como parte de sua estratégia anticorrupção, não é algo novo em Portugal. Segundo o periódico ‘Público’, essa prática está presente há quase três décadas, iniciando em 2002 com a implementação do mecanismo da perda ampliada.
A Abordagem Renovada a uma Medida Antiga
O Governo, sob a liderança de Luís Montenegro, agora busca aplicar a apreensão ampliada de propriedades em processos arquivados, dispensando a necessidade de uma condenação por um crime específico. Conforme mencionou a ministra da Justiça, Rita Júdice, essa apreensão pode ser determinada por juízes sempre que existir convicção de que os bens foram adquiridos por meio de atividades criminosas, ainda que o processo seja arquivado.
No entanto, a legislação atual já permite, desde 2002, confiscar propriedades que não condizem com os rendimentos declarados pelos suspeitos, em situações de certos delitos como a corrupção. Essa perda ampliada possibilita a declaração de perda dos bens a favor do Estado se os mesmos não estiverem alinhados com os rendimentos declarados, mesmo não estando registrados em nome do suspeito.
Exemplificações Práticas
O líder da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Nuno Matos, ilustra a implementação dessa medida em cenários onde um crime prescreve ou o suspeito falece durante o processo. Em tais situações, o tribunal pode concluir que houve vantagens ilícitas e, mesmo sem uma condenação, determinar a perda desses bens a favor do Estado.
Disparidades e Semelhanças na Legislação
O acadêmico Mário Monte, da Faculdade de Direito da Universidade do Minho, esclarece a distinção entre o regime tradicional de apreensão, previsto no Código Penal, e a perda ampliada. No regime clássico, apenas o ganho direto do crime, como por exemplo, cinco mil euros em um caso de corrupção, seria apreendido. Por outro lado, na perda ampliada, prevista na Lei 5/2002, é possível confiscar um valor muito superior, desde que não haja justificativa nos rendimentos declarados, embora seja exigida uma condenação por crimes específicos.
Novas Ações Anticorrupção
A nova estratégia anticorrupção do Governo engloba 32 ações, com destaque para a regulamentação do lobbying e a ampliação da apreensão de propriedades sem condenação. O conjunto de leis não contempla o acréscimo das penas para delitos de corrupção nem a extensão do prazo de prescrição, mas introduz medidas para proteger informantes e promover a eficiência nos processos judiciais.
Dentre as novas propostas, a implementação de um sistema de transparência para o lobbying e a criação de um Registro da “Pegada Legislativa” buscam aumentar a supervisão das decisões dos órgãos estatais. A estratégia nacional anticorrupção também visa adaptar as leis à realidade das criptomoedas e fortalecer os escritórios de recuperação de ativos.
Em Direção a uma Justiça mais Eficiente
O Governo ressalta a urgência de uma justiça mais célere e eficaz, propondo alterações no Código de Processo Penal para eliminar práticas processuais redundantes e promover a digitalização dos procedimentos judiciais. A ministra da Justiça descreve a estratégia como “pragmática, viável, porém ambiciosa”, acreditando em sua eficácia no combate à corrupção e no aumento da confiança nas instituições democráticas.
Em síntese, a apreensão de propriedades sem condenação, longe de representar uma inovação, está enraizada na legislação portuguesa há quase três décadas. A nova estratégia do Governo visa expandir e aprimorar esse mecanismo, reforçando o comprometimento de Portugal no combate à corrupção.